Os mais belos Edifícios Residenciais de Brasília

Quando bem novo, lembro de sempre passar em frente a um bloco diferente de todos os outros que conhecia e já tinha visto muitos nas minhas andanças de bicicleta pela cidade. Não era tão uniforme quanto a primeira leva dos prédios da Asa Sul, especialmente quando comparado aos prédios da minha quadra. Não usava cor, sugeria planos e a fachada como um todo elegantemente contrastava o bruto do concreto e o delicado do branco, tudo em harmonia, sem gritar. Na época me faltava o vocabulário da profissão, mas o prédio me encantava e no caminho para o colégio sempre o fitava.

SQS 210 blocos C e I - Autor: Marcílio Mendes Ferreira - Co-autor: Takudoo Takada - foto: Marcílio Mendes Ferreira

SQS 210 blocos C e I – Autor: Marcílio Mendes Ferreira – Co-autor: Takudoo Takada – foto: Marcílio Mendes Ferreira

Eventualmente ia visitar parentes do outro lado da cidade, na Asa Norte, e era a vez de contemplar outro prédio que aprendi a admirar. Ele era diferente, no banco de trás do carro não tinha muito tempo para olhar, mentalmente buscava apreender como se organizava, mas por entre as árvores ao longo do eixinho o que mais me marcavam eram as varandas desencontradas e a parede em tijolo aparente com um assentamento diferente e era isso, por entre árvores e sombras, lá se ia o edifício.

SQN 205 – Blocos I e J - fonte: Google Earth

SQN 205 – Blocos I e J – Autor: Marcílio Mendes Ferreira foto: Google Earth

Mais de dez anos depois lembro de conhecer o primeiro Macintosh na casa de um senhor afável, o nome dele era Marcílio, me senti um homem das cavernas enquanto aquele senhor de idade, com paciência me explicava e mostrava os registros de seus projetos já digitalizados em seu Mac. “De tempos em tempos recebo alguns estudantes” ele dizia. O edifício em particular que mais me interessava, aquele perto da minha casa, dizia ele que não estava bem conservado, melhor o da 210, coisas de Brasília, projetos que se repetem, mas aquele valia a pena repetir e qual não foi minha surpresa ao descobrir um pormenor que desconhecia até então: As portas de correr dos quartos e salas se voltavam para um grande jardim ao longo de toda o apartamento. Uma fachada viva. Quando lhe disse o tanto que gostava de seu projeto e que julgava ser o mais belo residencial do Plano Piloto, não me recordo a frase ao certo, mas disse sereno, com sua recorrente modéstia e economia de palavras, algo sucinto como: “Também gosto.”

SQS 312 bloco C

SQS 312 bloco C

Alguns anos depois o convidei para participar de minha banca de diplomação. Preparei uma apresentação intermediária e o aguardava no subsolo da faculdade de arquitetura da UnB. Após chegar rapidamente apresentei o projeto, o conceito geral, por fim se debruçou sobre o projeto e começou a me inquirir os aspectos técnicos da proposta: Onde estão as prumadas? Onde ocorrerão os desvios? Qual a solução estrutural? E a ventilação? Por onde desviarão os dutos? Em minha mente estava claro que o senhor cortês não pouparia questionamentos sobre o que sabia fazer como poucos. Estava a analisar um edifício residencial assim como tantos que já projetara, minha admiração por seu trabalho era mais do que pertinente. Feliz pelas indagações segui a explicar-lhe o projeto, aos poucos fui lhe elucidando cada solução, finalmente alguém me inquiria aquelas questões, se dando por satisfeito ao fim me deu um conselho mais afeito ao conceito e menos à técnica: um edifício precisa ter caráter.

Se Marcílio tinha rigor na analise prática de um edifício não deixava tampouco descuidar do menos pragmático mas não menos importante dever de encantar, um edifício para tanto não poderia gritar. Marcílio também era poeta.

Uma mensagem que ecoou na cabeça de um estudante que lia muito os holandeses iconoclastas pós-modernos. A mensagem ficou e o mestre gostou do projeto. Gentil, mostrou mais entusiasmo ao falar de meu projeto, não que merecesse, do que quando o ouvi falando de seu próprio. Ficaram as lições da preocupação com os aspectos técnicos, do caráter e também da modéstia. A última, a mais valiosa de todas. E se, como já foi dito, elogios tornam os bons, melhores, e os maus, piores, aqui uso do texto para fazer um registro de um elogio público tardio a um dos melhores que já não está mais entre nós: eram e continuam sendo seus, Marcílio, os mais belos Edifícios Residenciais de Brasília.

 

A casa

A casa é como a fruta
onde a vida fermenta.
A casa é como o útero
que protege suas sementes.

A casa sem gente
é como a fruta sem polpa
que não possui sementes
para lançar ao vento

A casa habitada
é como a fruta madura
onde a vida germina
em sua constante efervescência.

A casa não pode ser medrosa
como os medievais castelos de pedras
e nem sentir receios como sentem
os condomínios murados.

Deve se abrir em janelas
para a paisagem que a circunda
e convidar, por generosas portas,
os que vem ao seu encontro,
como se fora uma exótica fruta
que se abrisse em flor.

 

Marcílio Mendes Ferreira 1936 -2011

 

SQN 205 – Blocos I e J - futura publicação sobre a obra do arquiteto da ed. UnB - fonte: http://coda.arq.br/

SQN 205 – Blocos I e J 

SQS 210 – Bloco D- futura publicação sobre a obra do arquiteto da ed. UnB - fonte: http://coda.arq.br/

SQS 210 – Bloco D

SQS 203 – Bloco K, SQS 210 – Blocos C e I, SQS 312 – Bloco C - futura publicação sobre a obra do arquiteto da ed. UnB - fonte: http://coda.arq.br/

SQS 203 – Bloco K, SQS 210 – Blocos C e I,
SQS 312 – Bloco C 

SQN 206 – Blocos de A a K - futura publicação sobre a obra do arquiteto da ed. UnB - fonte: http://coda.arq.br/

SQN 206 – Blocos de A a K 

 

 

Marcílio Mendes Ferreira - futura publicação sobre a obra do arquiteto da ed. UnB - fonte: http://coda.arq.br/

Marcílio Mendes Ferreira – futura publicação sobre a obra do arquiteto da ed. UnB – fonte: http://coda.arq.br/

 

Corte BB- SQS 210 C e I fonte: Marcílio Mendes Ferreira

Corte BB- SQS 210 C e I fonte: Marcílio Mendes Ferreira

Corte AA- SQS 210 C e I fonte: Marcílio Mendes Ferreira

Corte AA- SQS 210 C e I fonte: Marcílio Mendes Ferreira

planta pavimento tipo- SQS 210 C e I fonte: Marcílio Mendes Ferreira

planta pavimento tipo- SQS 210 C e I fonte: Marcílio Mendes Ferreira

 

hall social - SQS 210 bloco C - 102_101 foto: Marcílio Mendes Ferreira

hall social – SQS 210 bloco C – 102_101 foto: Marcílio Mendes Ferreira

Eduardo Sousa e Silva

 

Um Comentário

  1. Rosana Alves de Souza

    Olá boa tarde me chamo Rosana Alves e sou da empresa G&R Construções e Reformas em geral, vendo essas postagens, vi a importância desses prédios, então se precisarem dos serviços de limpeza das fachadas, pilots, reformas de telhados, pisos, revestimentos, impermeabilização entre outros, podem entrar em contato comigo no (61) 98433-2012 ou na empresa (61) 3462-3409 para agendar visitas.

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  2. Guilherme

    esses prédios são show. os quadradinhos brutalistas da asa norte mencionados acima (que frequentei na minha infância) tb fariam bonito aqui. assim como os da colina, do lelé, megamodernos!

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  3. Ricardo Nogueira Duarte

    Prezado Eduardo,
    Meu nome é Ricardo e moro no bloco K, da SQS 203 (irmão gêmeo dos blocos C da 312 Sul).
    Vamos revitalizar a fachada, pilotis, etc.
    Sou a favor de manter a originalidade desse projeto lindo, então resolvi procurar na internet algo sobre o projeto original e acabei localizando o presente artigo na data de hoje (25/10/2017).
    Gostaria de conversar com você sobre o assunto.
    Favor me passar o seu contato.
    Grato,
    Ricardo.

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  4. RAIMUNDO

    Esses prédios são os mais bonitos e têm uma arquitetura com muita utilidade e praticidade. Parabéns aos projetistas.

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  5. RAIMUNDO

    Sou apaixonado por essa é a mais linda de Brasília.

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  6. Zontem

    Sempre que vou a Brasília não canso de admirar os prédios residenciais, são lindos. Passeio entre eles e os admiro, me sinto feliz e praticamente os namoro.

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  7. Mario Tosta

    Esses prédios são lindos, atemporais. Se destacam nesse mar de cafonice espelhada dos prédios novos de brasília, inclusive na sqs 312. Moro lá e todo dia passo pelo bloco C e me encanto com a beleza do edifício. Realmente foi preciso uma alma lírica e um talento extraordinário para projetar tanta beleza.
    Uma dúvida: quem é o arquiteto que projetou os quadradinhos da 107 norte. Também acho aqueles prédios fantásticos.
    Um abraço.

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  8. Giselle Chassot Lago

    Morei anos na SQN 206. Aluguei um apartamento logo depois de eles terem sido vendidos ( o meu bloco era da Caixa). Depois, mudei de apartamento ,mas não de bloco. Lamento profundamente não ter conseguido ser proprietária de um apartamento na quadra. Amava os cobogós, as falsas varandas e a luz que entrava pelos janelões disfarçados. Por fora, à primeira vista, os apartamentos pareciam escuros, meio sinistros. Eram tão cheios de luz e frescor! Tenho muitas saudades

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    • Giselle já conversei com mais de um morador e o comentário costuma ser o mesmo: como é fresco, iluminado e agradável. A experiência de morar lá eu não tive, mas posso imaginar. Abraço.

      Eduardo Sousa e Silva

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  9. Eduardo, que belo texto ! Pra mim o Marcílio foi o GRANDE sujeito dos blocos residenciais do Plano Piloto. Sua arquitetura era poética. Grande abraço

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    • Olá Adalberto, gosto muito de outros prédios, como os vários do Eduardo Negri, o do Milton Ramos da 203 sul, entre outros, mas realmente, assim como você, acho irretocável o trabalho do Marcílio com seus edifícios residenciais, e seu trabalho é relativamente pouco conhecido fora de Brasília, talvez tenha sido esse o grande motivo do post. Grande abraço.

      Eduardo Sousa e Silva

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  10. Vanessa Mendes Ferreira

    Eduardo, obrigada pelo carinho e delicate zapzap com que trata a obra e a personalidade única de meu pai. Gostaria muito de manter contato. Um abraço.

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    • Que bom que gostou Vanessa. Espero que outras pessoas venham a conhecer e valorizar o trabalho de seu pai. Ele merece. Abraço.

      Eduardo Sousa e Silva

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    • Jayme Wesley de Lima

      Vanessa, estou realizando estudo sobre patrimônio moderno e a 206 Norte faz parte desse estudo. Gostaria de um contato com você para falarmos sobre a obra de seu pai. Obrigado.

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